Publicação da revista Prisma:
Ao longo dos últimos meses, tenho recebido inúmeras consultas
sobre a permeabilidade dos pavimentos de blocos de concreto. Como o tema
é polêmico, preparei um resumo do trabalho apresentado na 7a
Conferência Internacional de Pavimentação com Blocos Intertravados de
Concreto, em Sun City, África do Sul (2003). Esse trabalho pode ser
consultado no site da revista Prisma (www.revistaprisma.com.br), na área
exclusiva para assinantes. Dúvidas e opiniões podem ser enviadas para
meu e-mail: segmenta@epm.net.co.
1. Pavimentos e impermeabilidade
A
tecnologia tradicional de pavimentos sempre buscou superfícies de
rolamento impermeáveis, baseando-se na suposição de que as estruturas de
base devem funcionar em estado seco, acima do nível freático natural.
Para manter o nível freático criava-se uma rede de filtros, em pontos
adequados, complementares às estruturas de escoamento das águas
superficiais. Nesse modelo de funcionamento, a impermeabilidade da
superfície, tanto inicial como através do tempo, é apenas parte das
ações que asseguram a estabilidade do sistema.
Desde a aparição
dos pavimentos de blocos de concreto, após a 2ª Guerra Mundial, e do
início das definições de seus parâmetros de funcionamento, em termos de
engenharia, na década de 1970, houve uma ênfase na busca da maior
estanqueidade possível a esse tipo de pavimento, para que ele se
tornasse aceitável na tecnologia tradicional de pavimentação.
Os fatores que propiciam um pavimento intertravado mais impermeável são:
1.1 No processo de construção
Blocos de concreto:
• Menor permeabilidade das unidades (menor absorção, concretos mais densos e granulometrias mais fechadas).
Juntas:
•
Menor área de junta por área de pavimento: obtida com blocos maiores ou
juntas de menor espessura, mas como a tendência universal é por
unidades de aproximadamente 200 mm x 100 mm (20.000 mm2), só resta o
recurso às juntas menores;
• Areia de selagem mais impermeável:
com granulometrias contínuas, fechadas, e com certa taxa de finos que
garanta sua plasticidade;
• Juntas mais cheias de areia de selagem.
Confinamento:
• Confinamentos estáveis (perimetrais e internos);
• Detalhamento adequado da paginação, especialmente dos ajustes com blocos cortados.
Capa de rodagem:
• Continuidade do pavimento;
• Maturação do pavimento (lock-up) por ciclos de contração e dilatação térmica (e hidráulica) dos blocos;
• Esquema adequado da inclinação transversal (preferivelmente a duas águas, em ambos os lados da pista);
• Consolidação da superfície de rodagem e da base;
• Manutenção da capa de rodagem (correção de defeitos, especialmente a “lavagem” do material de junta);
• Presença ocasional de finos sobre a superfície (pó de rua) que mantém a junta colmatada e selada;
• Prevenção de enxurradas turbulentas sobre o pavimento.
1.2 Em processo de construção mais depurado
• Uso de selantes superficiais para os blocos (mais para efeitos arquitetônicos, mas que reduzem a permeabilidade das unidades);
• Uso de estabilizantes (selantes) para a areia de junta;
• Uso de areias modificadas ou pre-estabilizadas, que já contêm os estabilizantes.
2. Pavimentos drenantes
Os
pavimentos tradicionais são construídos para a obtenção de uma
estrutura tanto quanto possível impermeável. Outra coisa são os
pavimentos concebidos, projetados e construídos como permeáveis. Aqui,
abre-se um enorme campo para os pavimentos intertravados, já que existem
diversos modos de se atingir maior ou menor grau de permeabilidade da
superfície de rodagem utilizando:
a. Blocos permeáveis (através de sua massa), por meio de concretos com granulometrias descontínuas;
b. Blocos drenantes, que podem desempenhar sua função de duas maneiras:
•
através das juntas, neste caso sem o preenchimento de selagem; ou com a
utilização de um material de preenchimento mais graúdo; ou ainda, com a
ampliação das juntas por meio de separadores largos;
• através
de perfurações no próprio bloco, de forma a gerar um pavimento capaz de
absorver e drenar água em quantidades relativamente grandes.
Esses
sistemas estão disponíveis no mercado internacional e têm diversas
características de permeabilidade, capacidade estrutural e facilidade de
construção, razão pela qual não se pode generalizar suas
características ou comportamento. Esses sistemas estão bem detalhados na
publicação Permeable Interlocking Concrete Pavements - Selection,
Design, Construction, Maintenance, de David Smith, do ICPI -
Interlocking Concrete Pavement Institute.
3. Além da aparência superficial
Ao
fato anterior, de como construir uma superfície mais ou menos drenante,
temos que acrescentar outras questões: qual a capacidade drenante das
camadas inferiores do pavimento? E qual será a capacidade drenante das
perfurações, porosidades e juntas ao longo do tempo?
A tecnologia
tradicional de pavimentação procura produzir bases de pavimentos
impermeáveis. Colocar uma “capa” permeável sobre essa estrutura
impermeável significa construir uma piscina ou tanque, no qual, após
algumas chuvas, estarão mergulhados os blocos, material de junta etc., a
menos que se crie um sistema de filtro capaz de drenar a água ao
subsolo.
Quanto ao fator tempo, é necessário considerar a
colmatação do meio drenante (areia ou pedrisco) nas juntas do pavimento,
caso não haja um controle das sujeiras carreadas pela enxurrada. Neste
caso, após algum tempo, as aberturas de drenagem acabarão sendo
fechadas, especialmente pelo pó mais fino. Esse fator coloca sempre em
dúvida a efetividade de qualquer sistema drenante, que estaria condenado
a uma gradativa redução da capacidade de escoamento.
4. Caminhos para uma resposta difícil
Sabe-se
que os pavimentos intertravados permitem a entrada de alguma água
superficial ao leito de assentamento, especialmente quando
recém-construídos. Com o passar do tempo (e do tráfego de veículos), a
infiltração se reduz. E, conforme o objetivo, essa característica pode
ser um ônus para os engenheiros, ou um ganho para os ambientalistas,
porque permitiria o escoamento das águas pluviais para os aquíferos
naturais.
A primeira pesquisa sobre a infiltração de água através
de pavimentos intertravados de concreto (Clark, 1979), foi feita numa
área pequena, construída em laboratório, sobre um tanque de concreto. Os
blocos foram assentados sobre uma camada de areia e esta sobre um
filtro de cascalho.
Sob uma chuva simulada, entre 22 mm/h e 53
mm/h, foi medido o fluxo da água superficial e da água infiltrada
através da camada de assentamento, considerando-se ainda a água
absorvida pelos blocos (uma taxa muito constante e próxima de 4% do
fluxo aplicado). Os resultados mostraram uma influência quase nula da
inclinação do pavimento (entre 1% e 2,5%) e que a infiltração era
proporcional à quantidade de chuva. Adicionalmente, a presença de finos
na areia de selagem das juntas teve grande influência na redução da
infiltração e rapidamente a taxa de entrada de água se tornou constante.
Os coeficientes de escorrimento superficial ficaram entre70% e 90%, ou
seja, as infiltrações roubaram entre 10% e 30% do volume total aplicado,
algo como 3,5 litros/m2h e 9,5 litros/m2h, ao longo de períodos de 40
min. a 90 min. Outro pesquisador, Clifford (1982), realizou ensaios de
laboratório e de campo com um cilindro aberto (selado ao pavimento),
cheio com uma coluna determinada de água e encontrou uma taxa de
infiltração da ordem de 3,0 litros/m2h. Além disso, concluiu que a
infiltração da água se reduzia com a maior idade do pavimento e que
ocorre uma quase completa selagem com o passar do tempo.
Um
terceiro especialista, Hade (1987), avaliou um piso de pedestres e um
pavimento veicular, ambos novos. Ele utilizou um simulador portátil de
chuva e chegou a valores de infiltração de 4,5 litros/m2h para a área de
pedestres e de 8,2 litros/m2h para o pavimento veicular, ao contrário
do que se supunha. Sua pesquisa posterior com Smith (1988), concluiu que
“o coeficiente de escorrimento para um pavimento de blocos de concreto
aumenta com a intensidade de chuva (para chuvas de até 5 mm/h)”, o que
coincide com as informações de Clark. Em laboratório, Shackel e Yamin
(1994) confirmaram a noção intuitiva de que a largura da junta influi na
infiltração de água para uma certa área; e que entre 30% e 35% da água
aplicada infiltra-se através de um pavimento intertravado
recém-construído ou “novo”, que não tenha recebido nenhum tráfego. Por
outro lado, Yaron, Bensabath e Ishai (1996) examinaram a permeabilidade
da seção composta do pavimento e, mediante a Lei de Darcy, mostraram que
a influência da profundidade da água (coluna hidráulica) sobre a
superficie do pavimento, na infiltração da água, é muito baixa.
A
pesquisa de Qvist e Kirk (1996) desenvolveu um “infiltrômetro” e um
método de ensaio para avaliar, consistentemente, a infiltração de água
nos pavimentos de blocos, com uma coluna d’água variável. A diversidade
de pavimentos avaliados dificulta o uso eficiente desta informação, mas
os autores reportam uma infiltração média de 3,6 litros/m2h.
Toda
a pesquisa, com raras exceções, foi realizada com pavimentos
recém-construídos, que ainda não haviam recebido nenhum tráfego e nem
estavam submetidos a ciclos de temperatura e umidade. Também não há
informações sobre a geometria específica do pavimento na relação
concreto/junta.
Ante este vazio conceitual, lançou-se a
possibilidade de estudar pavimentos reais, já que a cidade de Medelim,
Colômbia, dispunha de pavimentos desde novos até com mais de 25 anos de
idade. Este estudo foi desenvolvido mediante um projeto de graduação na
Faculdade de Engenharia Civil da Universidade de Medelim, por Giraldo e
González (2002), e dirigido pelo autor deste artigo.
5. Fundamentos para a pesquisa
A
observação histórica mostrou que, após uma chuva, os pavimentos jovens
tendem a permanecer úmidos por períodos mais longos do que os pavimentos
velhos. Essa constatação nos leva à hipótese de que, com o passar do
tempo, as juntas quase são seladas devido a fenômenos físicos e à
presença de resíduos finos. No entanto, por dificuldades associadas com o
estudo de fatores como o tipo de areia de rejuntamento, a espessura dos
pavers e outras, limitamos as variáveis à infiltração, à área de junta e
à idade do piso.
As pesquisas apresentadas no item 4 apresentam
valores de escorrimento ou de infiltração a partir de chuvas simuladas.
Mas, dado que a chuva natural gera sobre o pavimento uma coluna
hidráulica muito baixa, assume-se que só a presença de água sobre a
superfície durante certo tempo equivale a uma chuva de mesma duração.
Por isso, propusemos a criação de uma coluna hidráulica baixa e a
medição da água infiltrada a intervalos regulares, por um período de
duas horas. Para efeito da pesquisa, expressamos a infiltração como
função da área de junta entre os blocos do pavimento, pois cada
pavimento, dependendo do formato das peças, tem relação área de
junta/área de pavimento diferente. Além desse fator, pesam na
infiltração a permeabilidade dos blocos e do material de selagem da
junta.
6. Equipamento e método
Consiste num
cilindro de acrílico transparente, de 280 mm de diâmetro externo e 100
mm de altura, aberto em sua base inferior e com uma perfuração circular
no centro de sua base superior; uma garrafa plástica, marcada em sua
altura cada 20 ml, e com capacidade total de um litro. A perfuração da
base superior permite que a garrafa se apóie emborcada, com seu extremo
40 mm acima da superfície do pavimento. Adicionalmente, tem-se uma
perfuração pequena, para compensar a pressão (veja fotos).
Limpa-se
a área de ensaio com um pincel suave, para não alterar a parte superior
da areia de junta. Registra-se as características do pavimento (lugar,
uso, idade, intervenções, localização relativa da área, estado da
superfície, forma e tamanho dos blocos etc.), as condições ambientais e
qualquer outro dado que possa introduzir desvios. Coloca-se o cilindro
de acrílico sobre o lugar selecionado, marca-se seu perímetro com um
lápis, e medem-se as juntas de piso (comprimento e espessura) dentro
dele, usando um paquímetro. Calcula-se a área das juntas dentro do
círculo de 280 mm de diâmetro e extrapola-se a área de juntas para 1 m2
de pavimento.
Para eliminar a infiltração através dos blocos,
recobre-se toda sua área, incluindo as bordas, usando argila sintética
para modelar (Foto 2), impermeável, de fácil aplicação e remoção, que
não deixa nenhuma mancha sobre as peças. Esse produto funcionou melhor
do que qualquer pintura ou cera. Uma vez seladas as superfícies de
concreto, monta-se o cilindro, selando o entorno da peça com a argila
sintética (Foto 3).
Enche-se o cilindro com água, finalizando o
enchimento com uma das garrafas graduadas, até que atinja a coluna de 40
mm (Foto 4). Esta garrafa deve ser montada e nivelada sobre o cilindro
(Foto 5), registrando-se o nível inicial da água (leitura no momento
inicial). A seguir, tomam-se leituras a cada 15 minutos, até duas horas,
controlando o sistema para evitar as perdas de água por baixo da
selagem do cilindro (Foto 6).
7. Análise da informação
Foram realizados 24 ensaios em 14 áreas, cobrindo diferentes aplicações dos pavimentos, em idades desde zero até 26 anos.
O
registro das características dimensionais de cada pavimento mostrou uma
grande variedade nas características de absorção. Ao colocar em gráfico
a infiltração acumulada contra a idade do pavimento, observam-se quatro
pontos que estavam fora de toda tendência lógica:
• um à idade de 7 anos, sem infiltração, construído sobre uma laje de concreto);
• um aos 11 anos, com a mais alta infiltração medida, escalonado e com raízes na areia de assentamento;
•
dois aos 26 anos, com alta infiltração numa área de estacionamento
raramente utilizada e com abundante vegetação. Esses dados foram
descartados e se realizou uma nova correlação.
8. Conclusões sobre os ensaios
8.1
Existe uma excelente relação entre a taxa de infiltração de água
(expressa em volume por mm2 de área de junta no pavimento) e a idade do
pavimento de blocos de concreto. A infiltração decresce exponencialmente
com a idade, independentemente da espessura dos blocos e da composição
ou natureza da areia de junta.
Nota: As relações encontradas têm
validade para pavimentos de blocos de concreto construídos mediante os
procedimentos regulares, com os materiais usuais, sem uso de qualquer
tipo de selante de superfície ou estabilizador da areia de junta, e para
pavimentos em boas condições, com suas juntas cheias e sem grandes
deformações no nível de sua superfície, e sem a presença de vegetação
abundante em suas juntas.
8.2 A influência da largura de juntas é
bem mais importante do que a da inclinação do pavimento ou a magnitude
da chuva, pois a infiltração se dá quando existe água sobre o pavimento,
com uma taxa de infiltração constante.
8.3 A influência da
largura de juntas é maior do que a da inclinação do pavimento (na taxa
líquida de infiltração, não na potencialidade de infiltração), pois
sempre que exista água sobre a superfície (estancada ou corrente),
ocorrerá infiltração.
8.4 A modificação da superfície do
pavimento de blocos de concreto altera a taxa de infiltração. Com o
tempo, as manchas de gasolina, óleo ou graxa sobre a superfície,
fazem-na mais impermeável. Por outro lado, a presença de raízes embaixo
da capa, ou de vegetação por entre as juntas pode incrementar a
permeabilidade do pavimento.
8.5 Os resultados obtidos neste
estudo estão, em termos gerais, de acordo com os resultados de outros
estudos. Com o equipamento e a metodologia proposta pode-se realizar uma
série de ensaios sobre pavimentos existentes, em diferentes lugares.
9. Conclusões sobre a permeabilidade dos pavimentos
9.1
Fica suficientemente estabelecido que a permeabilidade de um pavimento
de blocos de concreto evolui com sua idade e que se reduz, até chegar a
níveis muito baixos, ao longo dos primeiros 15 anos de serviço. Esse
fenômeno continua por mais dez anos, pelo menos.
9.2 A juízo do
autor, não é lógico, nem justo, pelo fato da maior infiltração inicial,
que o pavimento de blocos de concreto seja considerado como um pavimento
“fundamentalmente permeável”, pois qualquer valor de infiltração que
justifique esta característica será alterado muito rapidamente,
atingindo cifras próximas a 50% da inicial, aos cinco anos de vida. Ao
contrário, fica ainda mais do que claro que também não se pode
considerá-lo impermeável. Sempre haverá um potencial de permeabilidade.
9.3
Propomos uma aproximação conciliatória, no sentido de considerar a
infiltração de água como fenômeno potencial e real, devendo ser
considerado nos projetos de pavimentos novos.
9.4 A experiência
indica que, desde que não se tenham fluxos de água pela capa de areia,
fruto do surgimento do nível freático ou de subpressões provenientes de
zonas verdes vizinhas localizadas a maior altura; não se tenham
interrupções, inadequadamente tratadas, que cortem os fluxos potenciais
através da capa de areia, e hajam bases granulares convencionais, estas
estarão com capacidade de absorver pequenas infiltrações e entrarão em
equilíbrio, sem nenhum risco para o pavimento. Se adicionalmente, o
pavimento for projetado adequadamente, com os referidos filtros, e sua
construção for realizada rigorosamente de acordo com o projeto, seu
comportamento vai ser mais do que satisfatório e duradouro ao tempo.
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A
versão original, em espanhol, e a bibliografia do artigo de Germán
Madrid estão disponíveis em versão PDF Acrobat, para assinantes da
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Revista Prisma - Edição 14