Piso novo
Como ocorrem e como evitar patologias em pisos de concreto? Veja as recomendações para escolha de materiais e reparo de falhas mais comuns
Método “extremo” de recuperação, o overlay é praticamente um piso novo sobre antigo. No detalhe, uso de barras de transferência |
Durabilidade, dureza e resistência devem ser os atributos de um piso industrial de concreto, superfície sujeita ao tráfego intenso de veículos e à ação de substâncias químicas. Cuidados com o projeto, execução e o uso de materiais de qualidade já minimizam, e muito, as chances de surgirem patologias, mas não eliminam, por completo, as possibilidades de acontecerem. Mesmo assim, deve-se fazer o máximo para prevenir problemas, já que os gastos com a recuperação podem se igualar, ou mesmo superar o custo de execução do piso.
Basicamente, as patologias em pisos industriais podem ser separadas em três grandes grupos: fissuras, desgaste e esborcinamento de juntas.
"Há ainda outras patologias referentes aos problemas de coloração e delaminação, mas que acabam sendo em menor quantidade", afirma o engenheiro Públio Penna Firme Rodrigues, da LPE Engenharia e Consultoria, empresa que realiza projetos e presta consultoria na área de pisos industriais de concreto. Rodrigues explica que, hoje, são bastante freqüentes as patologias ligadas à execução, causadas por atraso no corte das juntas, cura inadequada, armaduras mal posicionadas e problemas de acabamento.
As patologias relativas ao preparo de subleito e sub-base, decorrentes de má compactação do solo, repercutem em fissuras de caráter estrutural, assim chamadas por prejudicarem a estabilidade e a capacidade de carga do piso. "Esse tipo de fissura pode ser prevenida se forem feitos ensaios no solo", explica o engenheiro Eduardo Tartuce, da MixDesign Engenheiros Associados, empresa especializada em projeto de pisos e tecnologias de concreto, cimento e agregados. Mas quando a patologia já existe?
"Nesse caso, o ideal é optar pela remoção e recompactação do solo", acrescenta Tartuce. Outra solução seria o estaqueamento do piso, responsável pela melhor distribuição das tensões no solo.
Fissura nas juntas de pontes e outras obras-de-arte podem ser causadas por empenamento das placas |
A conscientização por parte dos consumidores da necessidade de projeto para pisos de concreto ajudou a reduzir, nos últimos cinco anos, a ocorrência das fissuras de caráter estrutural. Alguns especialistas acreditam que, no futuro, esse tipo de patologia tenda a desaparecer. "O avanço das técnicas de dimensionamento e detalhamento já resolvem fissuras crônicas, como as dos cantos reentrantes", diz Públio Rodrigues. O mesmo não se pode dizer das fissuras de retração (ligadas à execução), que correspondem a 95% das fissuras atualmente encontradas.
As fissuras podem ser causadas por retração hidráulica ou autógena, que acontecem normalmente num período de 60 dias a um ano. A retração antógena decorre das reações químicas entre o cimento e a água, cujas moléculas sofrem redução de volume. A retração hidráulica acontece nas primeiras idades do concreto (a grande maioria, na primeira semana), podendo indicar que o material não está sendo adequadamente curado.
Qual o cimento ideal?
A correta dosagem do concreto trará bom acabamento ao piso, além de facilitar sua execução, sobretudo se o material apresenta uma boa dosagem de finos. Teoricamente, todos os cimentos podem ser usados para a confecção de pisos industriais de concreto, apesar das preferências.
"Prefiro o Cimento Portland Composto com Escória (CP II - E) ou o Cimento Portland de Alta Resistência Inicial (CPV)", afirma o engenheiro Eduardo Tartuce. Para ele, o Cimento Portland de Alto Forno (CP III) pode dar resultados satisfatórios, desde que a presença de escória não ultrapasse 55% ou próximo disso. O engenheiro Públio Firme Rodrigues diz que não costuma restringir o uso de cimentos em seus projetos. "No entanto, o CP V é o que apresenta melhor resistência à abrasão", opina.
A cura inadequada pode gerar uma série de problemas, desde fissuras e empenamentos, até baixas resistências à abrasão. Na maioria das situações, o uso de mantas para cura úmida pode solucionar o problema, pois permitem a transferência gradual e homogênea da água para o concreto. Saturar o ar por meio de vaporizadores, técnica pouco empregada no Brasil, atende a casos em que a umidade relativa do ar é baixa, mas pode ser praticamente inviável em áreas acima de 2 mil m². Uma outra opção seria a cura química (em geral, de PVA ou acrílica).
Desgaste
Outra patologia que cresce cada vez mais é o desgaste superficial, que está mais ligado à qualidade do concreto do que à execução. "Esse problema indica que o tráfego atuante sobre a superfície do piso está em desacordo com as condições executadas, ou seja, o concreto deveria ser de maior resistência mecânica", afirma o engenheiro Paulo Bina, da Monobeton, empresa que desenvolve soluções tecnológicas para o ramo da construção civil. A solução, segundo ele, seria a aplicação de produtos reagentes ou agregados de alta resistência na superfície, além da melhoria das condições de cura e de proteção do piso.
Alguns vícios de execução podem potencializar o desgaste da superfície. "Hoje, os concretos tendem a apresentar maior tempo de pega, em função das características dos cimentos, de forma que a exsudação se manifesta com maior intensidade e, conseqüentemente, também os problemas de desgaste", explica Públio Rodrigues. Em virtude disso, a LPE Engenharia construiu uma máquina de ensaio para resistência à abrasão (baseada na norma inglesa BS 8204) que permite, na opinião da empresa, uma avaliação mais adequada do que a NBR 12042 da ABNT (Materiais inorgânicos. Determinação do desgaste por abrasão).
"A Associação Brasileira de Normas Técnicas não possui normas específicas para o projeto e a construção de pisos industriais de concreto, informa o engenheiro Ercio Thomaz, pesquisador do Cetac-IPT (Centro de Tecnologia do Ambiente Construído do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo). Não aborda, por exemplo, questões como a especificação e posicionamento das juntas e barras de transferência. Os interessados nesse tipo de informação, extremamente necessária para o projeto do piso, devem recorrer por exemplo às normas do ACI (American Concrete Institute).
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Como ocorrem e como evitar patologias em pisos de concreto? Veja as recomendações para escolha de materiais e reparo de falhas mais comuns
Patologia: Formato inadequado de junta. Recuperação: Possibilidade de reparo com lábio polimérico. | Patologia: Empenamento causado por retração hidráulica diferencial da placa de concreto. Recuperação: Deve ser realizada com injeção de cimento sob a placa, seguida de polimento para nivelamento. |
Patologia: Fissura por atraso no corte. Recuperação: Como está muito próxima ao corte, normalmente se faz a selagem da fissura com o mesmo material da junta. | Patologia: Delaminação causada por incorporação de ar, excesso de materiais finos, excesso de água ou condições climáticas (vento e baixa umidade do ar) durante a execução. Recuperação:Aplicação de epóxi ou material cimentício estabilizado com resina. |
Patologia: Outro caso de fissura por atraso no corte. Recuperação: Como nesse caso houve destacamento do concreto, deve-se utilizar lábio polimérico. |
Outro tipo de patologia muito ligada à exsudação é a delaminação que hoje afeta mais os pisos que recebem aspersão mineral (principalmente as coloridas), ou quando há condições desfavoráveis na concretagem, ou seja, em locais abertos ou sujeitos a ventos, ou em áreas próximas às portas ou domos para iluminação natural. A diminuição drástica da durabilidade do piso é uma das conseqüências da delaminação, que é caracterizada pelo destacamento da lâmina superficial do piso. Isso acontece quando o acabamento deixa tal superfície menos permeável do que deveria, suscetível, portanto, a uma maior intensidade dos vapores de água que se deslocam das camadas inferiores do piso.
Num piso de concreto, as juntas são pouco resistentes a impactos, razão pela qual devem ser trabalhadas de maneira especial. Caso contrário, poderão estar sujeitas ao esborcinamento (quebras das bordas). Erros de projeto, como a adoção de barras de transferência de diâmetro inadequado ou a especificação incorreta de materiais de preenchimento, também causam esborcinamentos. "A maior causa desse problema, no entanto, é a má execução", afirma Rodrigues, se referindo ao hábito impróprio dos executores de remover as barras de transferência para facilitar a desenforma.
Eduardo Tartuce explica que erros no posicionamento das barras de transferência das juntas (eixo inadequado) podem criar fissuras próximas às juntas. Tão importante quanto a execução, é o projeto.
"Além de determinar o posicionamento das juntas e o espaçamento entre elas, o projeto deverá prever o material com o qual as juntas deverão ser preenchidas", diz Tartuce. O engenheiro conta que as juntas, para resistir ao esborcinamento, poderão ser tratadas com lábios pré-fabricados poliméricos ou revestimentos à base de resinas epoxídicas ou de poliuretano.
O poliuretano tem uma resistência à abrasão melhor do que o epóxi que, por outro lado, resiste mais à umidade. Tartuce explica que, para que não haja comprometimento desses materiais, a umidade do concreto não deverá exceder os 5%, caso contrário comprometerá a aderência do selante. "Ambos materiais precisam de uma base bem-feita e livre de substâncias químicas para aderir adequadamente", afirma. Uma vez endurecidos, o epóxi e o poliuretano tornam-se resistentes à ação da umidade.
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Como ocorrem e como evitar patologias em pisos de concreto? Veja as recomendações para escolha de materiais e reparo de falhas mais comuns
O empenamento é uma patologia provocada pelas baixas espessuras, alta retração e subarmação (pequena taxa de aço) do piso. O uso de fibras plásticas ou o controle rígido da retração do concreto podem evitar o problema. "Toda a placa de concreto empena, seja pela retração hidráulica que ocorre em sua parte superior, ou pelas variações térmicas. Mas, isso nem sempre é um problema", avalia Rodrigues. Segundo o engenheiro, o problema surge quando a sub-base está mal compactada, pois, nesse caso, o movimento da placa acaba promovendo a compactação e, com isso, seu empenamento.
Recuperação de patologias
Cada patologia requer um tratamento específico. Por exemplo, problemas de desgaste podem ser tratados com endurecedores químicos ou pela lapidação associada a um endurecedor, dependendo da situação. Já os esborcinamentos podem ser tratados com lábios poliméricos, desde que a junta esteja estruturalmente adequada, ou seja, desde que não haja problemas de transferência de carga. "Caso contrário, poderá haver necessidade de injeção de pasta de cimento entre a placa de concreto e a fundação para controle de deformações, ou até a introdução de barras de transferência", explica Públio Penna Firme Rodrigues.
Pisos com desgastes e recalques podem ser recuperados com o overlay cimentício, técnica que consiste na sobreposição de uma camada de concreto nova sobre o piso original. "O overlay é desaconselhado nos casos em que a espessura final, formada pelo piso antigo e novo, interferirá muito nas cotas de arquitetura", acrescenta Eduardo Tartuce. Nesses casos, avalia o engenheiro, pode ser viável a demolição do piso antigo seguida da construção de um novo. "É uma solução mais cara, mas às vezes a menos trabalhosa", justifica.
A falta de um material compressível no entorno do pilar pode gerar trinca como a da foto, coincidente com a face do pilar |
Antes de se optar por uma técnica de recuperação, deve-se conhecer bem as causas da patologia em questão. Uma fissura estrutural pode ser mínima, levando a crer que se trata de uma fissura de retração. "Fissuras assim podem ser causadas pela movimentação do solo ou devidas à ausência de barras de transferência", avisa Tartuce. Segundo o engenheiro, muitos costumam tratar a patologia como se fosse causada pela retração do concreto, simplesmente aplicando o selante. "O certo é abrir juntas com uma serra industrial, para depois selá-las", complementa.
A delaminação e microfissuras podem ser recuperadas com a aplicação de epóxi ou material cimentício estabilizado com resina. Apesar de ser mais caro, o primeiro endurece em apenas 12 horas, enquanto que o segundo leva de um a três dias para isso. O metacrilato, por ser mais fluido que o epóxi, dispensa a aplicação por meio de injeção. É interessante saber que os equipamentos e materiais usados na confecção dos pisos são basicamente os mesmos empregados na recuperação.