Acidentes estruturais com marquises de edificações embora sejam raros, são sempre dramáticos e preocupantes, uma vez que o objetivo principal dessas estruturas é o abrigo e proteção de transeuntes. Para entender melhor o comportamento das marquises e as principais razões de acidentes como os ocorridos recentemente em Belo Horizonte e em Cubatão, o PET Civil conversou com Jorge Luiz Bittar, engenheiro civil atuante há 32 anos em projeto e execução de obras em concreto armado, tendo atuado em obras de empresas como Prado Valadares e Odebrecht.
Qual é o princípio básico de funcionamento das estruturas em concreto armado?
O que a gente considera normalmente, em estruturas convencionais, são estruturas reticuladas divididas em placas (lajes) e barras (vigas e pilares) para facilitar a modelagem e os cálculos, antigamente manuais e hoje em dia computacionais. O cálculo era feito de modo separado, as lajes descarregando em vigas, as vigas nos pilares e os pilares nas fundações. Atualmente, com os programas computacionais é possível resolver esse pórtico espacial todo de uma vez só, dependendo é claro do software utilizado.
Como funcionam, particularmente, as estruturas de marquises?
As estruturas de marquise normalmente são lajes em balanço ou vigas em balanço com uma laje apoiada nessas vigas. Para vãos pequenos são feitas apenas lajes em balanço, mas quando os vãos começam a ficar significativos, a espessura dessas lajes para atender aos critérios de deformação e estabilidade se torna muito grande, o que deixa de ser econômico e viável. Nesses casos, o engenheiro geralmente lança mão de vigas, que tem rigidez maior, e apoia sobre essa viga uma laje de espessura bem pequena.
Quais os principais cuidados que deve ter um engenheiro com relação ao projeto e execução de obras envolvendo concreto armado?
Na parte de projeto, os cuidados são os mesmos para dimensionamento de qualquer estrutura: obedecer aos critérios de norma, levantamento e combinações de cargas e estabelecer critérios para que essa marquise possa no futuro sofrer uma sobrecarga além do normal previsto em projeto, o que infelizmente, é muito comum. Os critérios de execução são as boas práticas de engenharia: respeitar cobrimentos,fazer um bom escoramento, adensamento e cura, com retirada do escoramento em prazo normal; fazer controle tecnológico do concreto como em todas as estruturas.
Nas marquises, a armadura fica na parte superior e, portanto, não é vista pelas pessoas da parte de baixo. Se em cima houver algum problema de corrosão, dificilmente será notado. Essa é a região que está recebendo toda a descarga de intempéries e, quando a laje em balanço está se deformando, são abertas fissuras na parte superior, favorecendo o ataque dos agentes atmosféricos e a corrosão, que é um processo progressivo, contínuo e acelerado, levando as estruturas ao colapso.
As principais causas de acidentes com marquises estariam, portanto, relacionadas a cuidados de manutenção. Quais fatores poderiam levar uma estrutura recém-construída, como a marquise em Belo Horizonte, ao colapso?
Lá não foi uma questão de manutenção. Eu vi em uma comunidade de calculista, imagens de engenheiros que fotografaram o local e um relato do autor do projeto, de 80 anos de idade e 50 anos de profissão, que afirma ter feito dimensionamento corretamente (mais de 300 barras de 16mm de comprimento adequado) e não foi executado isso. O que aparece nas fotografias é um comprimento de ancoragem muito pequeno. Existem duas responsabilidades muito distintas: a de projeto e a de execução. Não adianta fazer o cálculo certinho e um bom detalhe se na hora, executar diferente do projeto.
A mídia divulgou que o elemento estrutural em questão foi construído posteriormente ao edifício. Isso é incorreto? Representaria um agravante?
Não. Construir uma estrutura depois é muito usual e não tem problema nenhum, desde que se tomem os cuidados necessários tanto na parte de projeto como na parte de execução. O prédio foi feito sem a marquise, foi pedido um acréscimo ao autor do projeto, que fez o dimensionamento e este não foi executado conforme. É analisado então o dimensionamento, que é numérico e bastante lógico. Quanto à análise da execução, fica muito claro nas imagens que há uma falta de ancoragem, ou seja, o comprimento das barras que deveriam estar ancoradas na parte velha da estrutura foi muito pequeno e, talvez, a quantidade e diâmetro das barras também tenham sido sub utilizados, apesar de o autor afirmar que as barras tinham 16mm. Também é citado nesse relato que as barras que descolaram da estrutura de suporte e caíram junto com a marquise estavam limpas, quando na verdade foi especificado que a ancoragem fosse feita com um adesivo à base de epóxi, de altíssima resistência (cerca de 20 vezes mais resistente que o concreto). Se ele fosse corretamente aplicado, mesmo que a ancoragem fosse pequena, mesmo que o diâmetro da barra fosse menor, o adesivo estaria colado na barra.
Existem normas específicas para a construção de marquises?
Não. Essas são as mesmas normas de concreto armado, que apresentam itens para estruturas em balanço, assim como para estruturas normais. Dentre elas, NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto – Procedimento.
Sobre o superdimensionamento das estruturas…
As normas técnicas estabelecem os parâmetros necessários, especificações básicas devem constar nos projetos. Porém a vivência que a gente tem de anos é a seguinte: estruturas como marquises só tem aquela barra pra segurar, em um aumento da carga ela não vai suportar, não há outro vínculo para ajudar no suporte. Se aumentarmos muito a carga em uma estrutura repleta de apoios, ela divide aquele aumento de carga pelos vários apoios. No caso de um deles ruir, os outros vão ajudando e há tempo para tomar providências. Tanto que vemos poucos episódios de colapsos, em relação à quantidade de obras mal feitas e sem assessoramento de engenharia nenhum. Se a pessoa tem uma loja, raramente procura consultar o engenheiro anteriormente à execução da obra, para saber se é possível. Ao adquirem um imóvel, as pessoas parecem adquirir o poder de fazer o que bem entendem e não é por ai.
O que é possível analisar a partir das imagens…
Algumas coisas na imagem são estranhas. Primeiro, a marquise parece que caiu como um corpo rígido, por inteiro. Segundo, na estrutura remanescente, não saíram blocos de concreto. Então, dá pra ver mais ou menos os pontinhos que seriam os furos de inserção das barras. Não vi isso na imagem, mas o relato do engenheiro é de que as barras estão limpas, como falei, sem o adesivo especificado. Ou usaram o adesivo fora da vida útil ou usaram pouco ou não usaram nenhum. Outra coisa que me chama a atenção é que essa marquise foi impermeabilizada, aparecem mantas colocadas sobre ela, mas a espessura final é enorme! Não vi justificativa nenhuma para haver tal espessura, não de concreto, mas sim de sobrecargas mortas. Isso tudo contribui, agravando. As estruturas não entram em colapso por um único motivo, é um somatório.
Imagens: Engenheiro Orlando Figueiredo, Estado de Minas, TV Globo