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Cegos, Surdos, Mudos e Conectados



 por Cardoso 
Imagine que você na maior parte do tempo não consiga enxergar. Quando enxerga, tem uma compreensão mínima do que está vendo. Você também não tem qualquer sensação de olfato. Sua audição não te passa qualquer idéia do mundo à sua volta. Paladar? Esqueça. Sua sensação térmica é restrita a pequenas partes de seu corpo. Seu tato segue o mesmo princípio.
Esse pesadelo que faria a Hellen Keller se sentir sortuda é o dia-a-dia de seu computador, a mesma máquina que você reclama que não interage direito com humanos.
Chamar o que temos de hoje de interface chega a ser triste. É quase o equivalente a colocar alguém no cinema com um celular (não faça isso!), essa pessoa começar a mandar torpedos contando o filme e você chamar de “Interface Mobile para Conteúdo Cinematográfico”.
“O que temos aqui é uma falha de comunicação”, para citar Paul Newman em Rebeldia Indomável. Durante décadas os computadores mal computavam, não havia espaço para recursos “desnecessários” e interfaces sutis. O tempo passou, os computadores se tornaram poderosos, os sistemas operacionais complexos mas as interfaces permanecem as mesmas. Obviamente mais avançadas mas conceitualmente um Windows 7 ou Mac OSX Snow Leopard não diferem da interface gráfica usada pelo computador Palo, lançado pela Xerox em 1973.
Não estou denunciando a Interface Gráfica. Ela funciona muito bem, não há nada melhor radicalmente diferente sendo proposto a sério. Surgirá, claro, mas não agora.
Também não estou propondo um cenário de ficção científica, com um HAL9000 lendo lábios, um K.I.T.T. identificando pulsação e agindo como detector de mentiras ou um computador como o da Enterprise, programado em um planeta só de mulheres e seduzindo o Capitão Kirk enquanto ele tenta acessar dados.
A Inteligência Artificial não chegou lá ainda. O reconhecimento de voz já é eficiente para identificar palavras mas isso não adianta se o computador não souber o que fazer com elas. Hoje as interfaces de voz são excelentes para portadores de problemas de mobilidade mas fazem lentamente o que fazemos bem mais rápido com mouse e teclado.
Não dá para dizer “Computador, copie os seriados que já assisti para as pastas correspondentes no HD externo”.  Ainda bem, aliás. Um futuro onde computadores são controlados por voz transformaria todos os escritórios em call centers,  uma falação infernal. E nem ousei imaginar a sala de embarque em Congonhas.
Sutileza Gera Sutileza
Nossos computadores carecem de sutileza. Trabalham com ordens explícitas, não deduzem nada.  Não há percepção do estado mental do usuário. Para o PC não importa se estou triste, alegre, atrasado, doente, preocupado. Deveria importar.
O computador deveria reparar se eu estou agitado e comandando manualmente a verificação de emails a cada dois minutos. Isso seria uma indicação que espero algo importante. Ele deveria automaticamente aumentar a freqüência de verificações, avisando e ao mesmo tempo perguntando qual o remetente do email importante. Ele também deveria perceber se saí da frente da máquina, acionando um alarme sonoro se o email importante chegar durante minha ausência.
O computador deveria identificar quando eu olho uma palavra em um editor de textos com uma expressão de dúvida. Isso seria motivo para abrir a definição do termo no dicionário.
O computador deveria me reconhecer. Pela voz, rosto, postura corporal, impressão digital, peso da mão no teclado. Deveria integrar todos esses dados em uma identificação positiva, única e transparente, eliminando o processo de login, inclusive de websites. Em 2010 eu não deveria ser obrigado a gastar neurônios guardando dezenas de senhas e usernames.
O computador deveria identificar meu estado de concentração em uma tarefa e de acordo com o grau de foco, desabilitar avisos de sistema, de email e de instant messengers, repassando somente o de contatos realmente importantes. Se eu estou relaxado lendo um site, tudo bem ser interrompido com um “oh-oh” mostrando um “oiê!!!” qualquer, mas se estou digitando freneticamente ou tenso lendo um documento, não quero ser interrompido, exceto ser for um MSN de Barack Obama ou da Luciana Vendramini. Colocar o MSN em “Busy” nem sempre ajuda, e desligá-lo inviabiliza a ferramenta.
Essas funcionalidades não interferem na interface em si, mas aumentariam muito a interação homem-máquina, sem cair na exigência da “verdadeira” inteligência artificial, algo que ainda estamos décadas de desenvolver.
Estou sugerindo uma leve trapaça, fugindo do caso genérico. Ao invés de tentar entender o Mundo, o computador seria programado com um grande número de cenários, mais ou menos flexíveis. Um bom exemplo é o editor de texto que percebe  expressão de dúvida e exibe o significado da palavra. É um caso onde regras bem rígidas são suficientes para simular um comportamento “inteligente” e efetivamente produzir um comportamento útil.
Não é algo simples, mas nem de longe é tão complicado quanto ensinar um computador a pensar. Ele só precisa fingir que pensa. O que, convenhamos não e complicado, nós conhecemos um monte de gente que se enquadra na definição.


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