O objetivo deste trabalho é apresentar as principais características e
aspectos construtivos e tecnológicos das lajes mistas aço-concreto.
Inicialmente faz-se uma revisão histórica da evolução do uso das lajes mistas,
comparando-se as vantagens e inconvenientes das suas aplicações em soluções
estruturais. A seguir, descrevem-se os componentes e as características dos
sistemas com lajes mistas.
O processo de fabricação, a configuração, as dimensões regulamentares, a
montagem e a proteção superficial das chapas perfiladas são apresentados. Os
conectores assumem grande importância no comportamento mecânico da laje mista,
devendo assegurar a perfeita ligação entre a chapa perfilada e o concreto.
Os principais tipos de conectores, assim como as suas aplicações, o
material usado, o equipamento utilizado na aplicação e as suas disiposições na
laje são ilustrados. No seguimento, aborda-se o processo de execução das lajes
mistas, desde a colocação da chapa perfilada, passando pelos remates nos
perímetros, escoramento, execução de aberturas nas lajes, armaduras, preparação
e execução da concretagem até o acabamento final da superfície do concreto.
Exemplos ilustrativos de utilização de lajes mistas em algumas obras na
Europa são mostrados. Em todos os tópicos abordados, são feitos comentários em
relação às especificações presentes no regulamento europeu (Eurocódigo 4). Ao
final são feitos comentários e observações sobre a utilização das lajes mistas
aço-concreto em sistemas estruturais.
1 - Introdução
Uma laje mista é constituída por uma chapa de aço perfilada, sobre a
qual é concretado “in situ” o concreto armado, que contem uma armadura superior
destinada a controlar a fissuração do concreto, comportando-se como uma laje
unidirecional. Após o endurecimento do concreto, a estrutura aço concreto
constitui um elemento estrutural único, como ilustra a figura 1.
A resistência aos momentos fletores positivos atuantes é dada pela
própria chapa perfilada de aço, estando o concreto comprimido nas suas nervuras.
Nas zonas de momento negativo é necessário incorporar eventualmente uma
armadura de reforço.
No entanto para que a seção possa funcionar como uma estrutura mista, o
conjunto aço-concreto tem de apresentar uma boa conexão entre si. Para tal, é
necessário que as chapas apresentem um perfil particular, quanto à forma das
nervuras e das reentrâncias na sua superfície, de modo a existir uma certa
adesão entre o concreto e as chapas, acompanhado por mecanismos de conexão,
aplicados na laje, de modo a garantir que a seção tenha capacidade resistente à
tensão longitudinal de cisalhamento solicitada na interface entre a chapa e o
concreto.
2 - Tipos de Chapas
As chapas perfiladas são formadas a frio e devem obedecer às
especificações da parte 1.3 do Eurocódigo 3. Existem diferentes formatos de
chapa como mostra a figura 2. As principais características que definem as
chapas perfiladas são as seguintes:
Características
geométricas:
• Altura da chapa, variando entre 50mm
e 80mm;
• Espessura, sendo as mais comuns: 0,7,
0,75, 0,8, 1,0, 1,2mm;
• Reentrâncias (ver figura 3);
• Espaçamento entre nervuras;
• Área efetiva.
Características
resistentes:
• Posição da linha neutra;
• Inércia efetiva da seção (cm4/m);
• Módulo de flexão efetivo (cm3/m).
Outras
características:
• Peso por m2;
• Volume de concreto por m2.
3
- Conectores
Para que exista um comportamento eficiente, torna-se preponderante uma
correta interação entre ambos os materiais aço-concreto, a qual é garantida por
elementos metálicos denominados de conectores, aplicados nas vigas de suporte.
Os conectores podem ser classificados em dois tipos, flexíveis e
rígidos. Neste artigo apenas são abordados os casos dos conectores flexíveis,
ou seja, aqueles que apresentam com comportamento dútil, em particular os do
tipo “pino com cabeça” (stud bolt) e os conectores X-HVB da marca “HILTI”, pois
de um modo geral são os mais empregados na construção.
3.1
- Conectores Soldados - "Stud Bold"
Este tipo de conector é soldado à mesa superior do perfil metálico
(figura 4 (c)) por meio de uma pistola automática ligada a um equipamento de
soldagem. O processo é iniciado quando se encosta a base do pino ao material
base (mesa superior do perfil), quando então se aperta o gatilho da pistola,
forma-se um arco elétrico provocando consequentemente a fusão entre o material
base e o conector (as figuras 4(a) –(b) ilustram os procedimentos de soldagem
na fábrica e na obra). A altura efetiva do conector é diminuída em cerca de 5mm
ao ser soldado. De um modo geral, os conectores soldados através das chapas são
de 19mm de diâmetro e de 75mm a 150mm de altura, com uma cabeça de
aproximadamente 28mm de diâmetro, sendo o limite da tensão de ruptura do
material de 450N/mm2. Deverão ser respeitadas as seguintes disposições
construtivas, de acordo com o Eurocódigo 4 (1992):
1 - As espessuras da mesa da viga de suporte não devem ser inferiores a
7,6mm (para conectores soldados de 19mm). Este limite aumenta para diâmetros
superiores;
2 - Os conectores devem sobressair 35mm, acima da face superior da chapa
e devem ter um recobrimento mínimo de concreto, acima do topo do conector, de
cerca de 15mm. Para impedir danos na chapa os conectores devem ser colocados
sobre linhas predeterminadas e marcadas sobre a chapa. A distância entre o
limite do conector e o limite da chapa, não deve ser inferior a 20mm (devido a
esta limitação não é aconselhável usar vigas de suporte com mesas inferiores a
120mm). A distância entre conectores não deve ser inferior a 95mm na direção
dos esforços de cisalhamento, e 76mm na direcção perpendicular aos esforços de
cisalhamento;
3 - A distância entre conectores não deve ser superior a 450mm;
4 - Os conectores são colocados normalmente nas nervuras,
alternadamente, em alguns casos aos pares em cada nervura.
3.2
- Conectores X-HVB da marca "HILTI"
Os conectores da Hilti X-HVB são fixos por pregos zincados aos elementos
da estrutura. Este processo é realizado através de uma pistola que faz disparar
tiros de cartuchos de pólvora como ilustra a figura 5. Este sistema é rápido e
econômico, por não haver a necessidade da utilização de energia elétrica para o
seu funcionamento. Permite ainda que qualquer trabalhador com prática seja
capaz de instalar os conectores com máxima segurança e confiabilidade. Podendo
ser empregados em condições adversas (chuva, neve, condensação, etc.), pois em
nenhuma circunstância diminui a qualidade da fixação.
Para execução da aplicação dos conectores são necessários a pistola, os
pregos, os conectores e os cartuchos de pólvora como se pode observar na figura
5. Os conectores do tipo Hilti X-HVB são em aço zincado de 3μm, apresentando
uma resistência mínima à tração de 295N/mm2.. Os pregos tipo Hilti são em aço zincado
8-16μm e apresentam uma resistência mínima à tração de 2.000N/mm2. As
propriedades geométricas do conector e dos pregos estão indicadas em Saúde e
Raimundo (2006).
A escolha do tipo de cartucho é igual ao tipo de prego e depende da
espessura da chapa e da qualidade do aço da viga metálica onde se fixam os
conectores. Uma vez disparado, é necessário comprovar que o prego está saliente
entre os 8,5 e 11mm sobre o conector.
4
- Armaduras
As armaduras utilizadas na construção de lajes mistas aço-concreto,
normalmente são do tipo em malha em forma quadrada e de pequeno diâmetro,
exceto em grandes vãos, onde é necessário proceder ao cálculo de uma armadura
superior (ver figura 6).
A armadura atua principalmente na direção normal das vigas e cumpre as
seguintes funções:
• Atua como uma armadura transversal que impede a fissuração ao longo do
alinhamento de conectores;
• Faz com que se obtenha uma resistência à flexão nos apoios da laje no
caso da ocorrência de fogo;
• Ajuda a reduzir a fissuração nos apoios;
• O controle a fissuração nos estados limites de serviço em lajes mista
é efetuado pela chapa perfilada. Algumas fissuras sobre as vigas e apoios da
laje podem ocorrer, no entanto essas fraturas não afetam a durabilidade e o
desempenho da laje. No caso de ambientes agressivos as armaduras adicionais são
imprescindíveis;
• Devem ser colocadas armaduras superiores em lajes de espessura
reduzida a uma distância de 20mm, suportadas sobre a superfície superior da
chapa. Na prática, tendo em conta as sobreposições, a malha deve situa-se entre
os 20 e os 45mm da face superior da chapa. A sobreposição deve ser no mínimo de
300mm no caso de malha leve e de 400mm para malha pesada. É necessário a
colocação de armadura suplementar nos seguintes casos:
• Por resistência ao fogo, normalmente barras no fundo das nervuras;
• Armadura transversal na zona de conectores. Este reforço é apenas
utilizado quando os conectores são soldados;
• Reforço (barras adicionais) em aberturas de grande dimensão.
5 - Processo de
Execução
5.1
- Colocação das Chapas
Antes de se proceder à elevação das chapas é necessário que a estrutura
metálica esteja totalmente executada. A montagem das chapas deve ser realizada
de acordo com os planos de execução;
Para um espaçamento entre vigas de suporte superior 2,5m, torna-se
necessário aplicar um escoramento durante a concretagem e período de
endurecimento do concreto (ver figura 7)
A montagem das chapas realiza-se a partir de um dos cantos dos
edifícios, criando os montadores a sua própria plataforma de trabalho com as
primeiras chapas montadas. Uma vez colocadas na posição definitiva, devem ser
fixas antes de continuar a colocação das seguintes, sendo de evitar por motivos
de segurança a existência de chapas soltas;
A união das chapas realizar-se topo a topo sendo lacradas através de uma
banda adesiva;
A distância de entrega da chapa sobre a viga deverá ser no mínimo de
50mm
Devem ser evitadas cargas pesadas sobre as chapas, em especial nos
espaços entre as vigas, dada a sua grande esbeltez.
5.2
- Acabamento das Chapas
Os acabamentos perimetrais (nas bordas) constituem os limites verticais
das lajes e realizam-se à base de peças angulares de chapas de aço galvanizado.
É muito importante que estejam corretamente posicionados e fixados para que não
se deformem durante a concretagem (ver figura 8).
Os acabamentos perimetrais devem ter uma altura igual à espessura total
requerida para laje de concreto. Para lajes em balanço é necessário fixar os
acabamentos à estrutura principal através de tirantes separados de 0,6 a 1m,
que servem para dar rigidez à parte superior da laje, como é mostrado na figura
8.
5.3
- Aberturas na Laje
O sistema mais aconselhado para a formação de aberturas consiste na
colocação de formas de madeiras na parte interior da abertura ou então utilizar
blocos de poliestireno com a forma da chapa perfilada. A chapa perfilada só
deve ser cortada após a laje mista ter adquirido a resistência suficiente. Este
sistema tem a vantagem da chapa suportar cargas durante a concretagem sem que
seja usado escoramento vertical até determinado vão. Os cortes da chapa devem
ser reparados e protegidos com pintura de zinco de modo que não ocorra corrosão
da chapa.
As pequenas aberturas quadradas ou circulares, até 200mm, não precisam
normalmente de reforços, mesmo algumas lajes que estejam longe de atingir os
estados limites, podem admitir aberturas até 300mm de lado sem necessidades de
reforços. Aberturas maiores precisam de reforços adicionais nas lajes quando os
esforços a absorver na zona interrompida são transmitidos lateralmente às
nervuras adjacentes. Esta situação também se sucede quando aberturas de grandes
dimensões estão muito juntas umas das outras.
Estes reforços adicionais devem ter a forma de barra e serem colocados
nas nervuras da chapa adjacentes à abertura. As barras devem ter seção
equivalente à da chapa interrompida, colocadas na mesma cota que a linha neutra
da chapa e barras transversais centradas na zona das fibras de compressão.
5.4
- Operação de Concretagem
A face superior da chapa deve estar limpa de sujeira antes de se
proceder a concretagem da laje. A chapa perfilada é produzida com uma camada de
óleo superficial típica das chapas galvanizadas sendo aceitável e
não afetando o comportamento na interface aço-concreto após a
concretagem.
As uniões das chapas devem realizar-se topo a topo e devem ser lacradas,
como pode ser observado na figura 9.
Os trabalhadores enquanto fazem a concretagem da laje devem situarse
junto dos apoios para evitar flechas excessivas da laje. Se isto acontecer
evitam-se cargas desiguais sobre vãos adjacentes.
A espessura da laje é determinada por espaçadores adequados (figura 10),
de modo que não haja desperdícios. O concreto excessivo pode provocar
deformações excessivas para as quais a estrutura não está dimensionada.
A operação de concretagem é realizada por meio de bomba. As tubagens de
saída do concreto devem ser movimentadas freqüentemente e cuidadosamente para
que se minimize os problemas de acumulação em zonas criticas da laje como por
exemplo a meio do vão. Dependendo da fluidez do concreto poderá ser importante
uma boa vibração, principalmente nas zonas dos conectores. A tubagem de saída
deve estar sempre preparada e não deve ser elevada acima do joelho no momento
de verter o concreto sobre a chapa perfilada.
5.5
- Sequência esquemática do processo
O processo de construção das lajes mistas tem que seguir uma ordem de
elaboração de modo que todas as fases do processo sejam realizadas corretamente.
Na figura 11 mostra-se uma sequência que permite que todos elementos trabalhem
em equipe e em segurança.
6
- Vantagens e Desvantagens das Lajes Mistas
As vantagens do uso de lajes mistas são: (i) ideais para edifícios altos
em estrutura de aço, dada a sua rapidez de execução; (ii) as chapas são
transportadas facilmente pois são leves, sendo fixadas no local por dois ou
três trabalhadores; (iii) a qualidade das chapas e dos elementos de fixação é
controlada em fábrica, com tolerâncias rígidas e procedimentos de qualidade
estabelecidos; (iv) as chapas de aço depois de montadas, constituem uma
excelente plataforma segura de trabalho, que permite a movimentação de pessoas
e apoio para materiais; (v) como não necessita da aplicação de formas, para
suportar a fase de endurecimento do concreto, simplifica em muito a execução da
obra, permitindo velocidades de construção mais rápidas; (vi) menor quantidade
de armazenamento de material no canteiro de obra.
Como desvantagens: (i) é necessário maior nível de especialização do
pessoal e devem existir planos de montagem; (ii) detalhamento de aspectos
construtivos; (iii) a resistência do aço sob ação do fogo.
Existem hoje medidas preventivas ao fogo, que permitem mitigar este
fenômeno através se sistemas de isolamento ou proteção, que por falta de espaço
não são abordados neste artigo. O comportamento ao fogo das lajes mistas de
acordo com as indicações do Eurocódigo 4 está abordado em Saúde e Raimundo
(2006).
7
- Conclusão
No mundo da construção, as técnicas e processos construtivos estão em
constante evolução, com necessidade de optimizar prazos, melhoria de aspectos
técnicos de projecto de rapidez e simplificação de execução e no controle de
qualidade dos materiais. As lajes mistas são assim um reflexo desses aspectos.
Num contexto geral, as razões para a sua utilização são: (i) a cada vez maior
necessidade de racionalização dos processos construtivos; (ii) a existência de
prazos muito reduzidos para a execução das estruturas; (iii) a realização de
edifícios cada vez mais altos com tecnologias cada vez mais complexas; (iv) a
possibilidade de utilizar as chapas perfiladas como base de apoio, não
necessitando formas para concretagem e (v) a não necessidade de escoramento da
laje, até determinado comprimento de vãos.
É neste contexto, que as lajes mistas aço-concreto são soluções
interessantes, especialmente quando combinadas com estruturas metálicas.
Referências Bibliograficas
Acies, (2005). Asociación de Consultores Independientes de Estructuras
de Edificación, www.acies-ed.com
CEN (Comité Européen de Normalisation). (1992). Eurocode 4 - Design of
composite steel and concrete structures - Parte 1.1: General rules and rules
for buildings, ENV 1993-1.1.
Globalfloor. (2006). www.globalfloor.com
Haironville (2001). www.haironville-pab.com
Hilti. (2005). Hilti Portugal, www.hilti.pt
Saúde, J. e Raimundo, D. (2006) “Lajes Mistas Aço-Betão”, Seminário,
Curso de
Engenharia Civil, Instituto Politécnico de Tomar, Portugal.
SSEDTA, 2001, www.ssedta.com.
Autor:
Jorge Saúde, Duarte Raimundo
Alunos do Curso de Engenharia Civil,
Instituto Politécnico de Tomar, Portugal
Luís Carlos Prola
Professor doutor da Escola Superior de
Tecnologia de Tomar, Portugal
Igor Pierin
Mestre em Engenharia Civil pela UFSC,
doutorando da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
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