O modelo de bielas e tirantes é uma ferramenta de cálculo baseada no teorema estático da teoria da plasticidade que permite o dimensionamento de elementos ou regiões especiais de estruturas de concreto armado e protendido.
Esse metódo teve início com Ritter, em 1899, que propôs uma analogia de treliça para analisar as vigas de concreto armado. O seu desenvolvimento teve sequência, principalmente, na Universidade de Stuttgart com Mörsch (início do século 20), F. Leonhardt e foi generalizado por J. Schlaich e seus colegas (1987).
Atualmente, a NBR 6.118:2007 – Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento e a NBR 9.062:2006 – Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-Moldado permitem ou prescrevem o uso de modelo biela-tirante, mas necessitam de regras mais amplas e bem definidas.
Fundamentação teórica
Teorema estático ou do limite inferior da teoria da plasticidade
Segundo o teorema estático da plasticidade, um carregamento (Qs) atuando sobre uma estrutura, que gera um campo de tensões que seja estática e plasticamente admissível, é um limite inferior do carregamento (QR) que leva a estrutura ao colapso, ou seja:
Qs ≤ QR
Por campo de tensões estaticamente admissível se entende que as condições de equilíbrio estático são satisfeitas, e por campo de tensões plasticamente admissível que os critérios de resistência dos materiais são respeitados.
O teorema do limite inferior da plasticidade produz soluções seguras desde que as suas hipóteses sejam respeitadas.
Regiões B e D de uma estrutura
As regiões B são aquelas em que a hipotése de Bernoulli-Euler, de que a deformação específica (ε) é distribuída linearmente ao longo da seção transversal, é válida. Essas regiões são dimensionadas ou verificadas pelo equilíbrio da seção transversal, ou seja, os esforços internos podem ser determinados por meio de métodos seccionais já consagrados.
As regiões D são aquelas em que as deformações ε têm distribuição não linear na seção transversal e os métodos seccionais não são mais aplicáveis. Exemplos de regiões D dentro de uma estrutura são mostrados na figura 1.
Figura 1 - Exemplos de regiões D: a) geométricas, b) estáticas e c) geométricas e estáticas. Fonte: Schlaich e Schäfer (2001) |
Definições e princípios de dimensionamento com o auxílio de bielas e tirantes
Por modelo de bielas e tirantes se entende uma idealização estrutural na qual a estrutura real se assemelha a uma treliça equivalente, segundo a qual se calculam, dadas as ações, os esforços axiais de cada elemento. Essa treliça deve satisfazer as hipóteses do teorema do limite inferior da plasticidade discutido anteriormente. O cálculo dos esforços axiais nos elementos permite dimensionar as armaduras necessárias e verificar a capacidade das bielas e dos nós.
Em modelos de bielas e tirantes, as bielas representam os campos de tensões de compressão, os campos de tensões de tração são representados por uma ou mais camadas de armadura ou por tirantes de concreto, e os nós são os volumes de concreto em que as forças que agem nas bielas e nos tirantes se encontram e se equilibram.
A resistência à tração do concreto, normalmente, é desprezada, mas em algumas situações a capacidade portante dos elementos só pode ser explicada pela resistência à tração do concreto (como, por exemplo, no caso de lajes sem estribo e ancoragens de barras).
O teorema do limite inferior assume que qualquer equilíbrio é uma solução desde que a deformação plástica infinita seja possível. No entanto, o aço e especialmente o concreto permitem apenas deformações plásticas limitadas, sendo necessário adotar modelos adequados que produzam deformações reduzidas e não violem a capacidade de rotação plástica em nenhum ponto da estrutura.
Como a compatibilidade não precisa ser respeitada, podemos analisar o comportamento estrutural de um elemento por analogia de treliça. Além do equilíbrio, que é primordial, os elementos da treliça (bielas, tirantes e nós) devem ter resistência suficiente para suportar os esforços solicitantes. Além disso, é fundamental detalhar a estrutura de acordo com o modelo de bielas e tirantes adotado.
Figura 2 - Exemplo de MBT baseado na trajetória das tensões principais em solução elástica. Fonte: adaptado de Schlaich e Schäfer (1991) |
Figura 3 - Campos de tensão de compressão básicos: (a) prisma, (b) leque e (c) garrafa
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A aplicação da teoria da plasticidade para o dimensionamento de estruturas de concreto implica a inexistência de apenas um modelo possível de ser adotado (ao contrário da teoria da elasticidade, em que a solução é única) e é muito comum o mesmo problema ser resolvido de maneiras diferentes. Logo, a primeira e mais importante tarefa de um engenheiro de estruturas é encontrar um modelo para uma determinada geometria e conjunto de cargas que seja adequado ao concreto estrutural. Para isso, Schlaich et al. (1987) apresentaram diversas propostas de modelagem de uma região D.
Em Schlaich et al. (1987), é recomendado que, para garantir os requisitos de ductilidade, os modelos de bielas e tirantes sejam baseados nas direções das tensões principais determinadas por uma solução elástica (figura 2).
Adicionalmente, é sugerida a adaptação de exemplos normatizados usando a geometria e as forças de uma dada região D. Atualmente, existe um catálogo muito grande de modelos de bielas e tirantes que auxiliam o engenheiro na escolha daquele a ser adotado – veja Schlaich et al. (1987), Schlaich e Schäfer (2001; 1991), Bosc (2008), FIP (1999) e Reineck (2005).
Por fim, pode-se aplicar o método da trajetória de forças, que não será tratado neste artigo.
Resistência de bielas, nós e tirantes
Figura 4 - Tipos de nós: a) CCC, b) CCT e c)CTT
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Bielas
Existem três tipos de configurações de bielas: prismáticas, em leque e em formato de garrafa (figura 3). Para bielas não fissuradas cujas deformações ao longo da largura são uniformemente distribuídas, a resistência é reconhecidamente:
f cd,bie = αc ∙ fcd
A NBR 6.118 assume αc = 0,85. Esse parâmetro tem por objetivo levar em consideração a perda da resistência do concreto sobre carga mantida (efeito Rüsch), o ganho de resistência do concreto ao longo do tempo e o efeito da diferença de formato entre o corpo de prova cilíndrico e o elemento na estrutura.
Se a deformação não for uniforme e o “bloco retangular” de tensões, na seção integral da biela, for utilizado em vez de uma relação tensão-deformação mais realista, um fator de efetividade deve ser utilizado, ou seja:
fcd,bie = 0,85 ∙ αv2 ∙ fcd
O fator αv2, normalmente, é conservador e recomendado para utilização em regiões B ou interface entre esta e a região de descontinuidade.
Para bielas com tração transversal ao seu eixo, a resistência é reduzida, uma vez que existe um campo de tração e de fissuração que atravessa o campo de compressões.
A NBR 6.118 não prescreve explicitamente as resistências de bielas (e nós), embora permita ou prescreva o método de bielas e tirantes. Os autores, após análise dos limites de diversas normas e códigos internacionais para a resistência da biela, propõem para as normas brasileiras os valores da tabela 1.
O valor de η menor para concretos de alta resistência (até 90 MPa) é devido à maior fragilidade do material. A definição de fcd2 é consistente com a expressão de VRd2 (item 17.4.2.3 da NBR 6.118) para resistência de elementos ao esforço cortante.
Foi proposto apenas um limite de resistência da biela com tração transversal, pois (exceto em alguns casos bem específicos) é difícil garantir a ortogonalidade da tração em todo o comprimento da biela.
Figura 5 - a) trajetória das tensões principais em domínio elástico b) modelo de bielas e tirantes para consolo curto
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Nós
A análise dos nós é fundamental nos modelos de bielas e tirantes. Esses elementos possuem estados de tensões diferentes e precisam ser verificados separadamente.
Existem diversos tipos de nós e os mais importantes estão resumidos na figura 4.
Os nós CCC são aqueles em que apenas forças de compressão são equilibradas. Exemplos: apoio interno de uma viga contínua e quinas de consolos.
Os nós CCT são aqueles que ancoram barras tracionadas em apenas uma direção. Exemplos: apoio extremo de vigas e região de aplicação da carga direta em consolos.
Os nós CTT são aqueles que ancoram barras tracionadas em duas direções. Esse tipo é muito comum em nós de pórticos e consolos submetidos a cargas indiretas.
Os nós TTT são aqueles em que apenas tirantes confluem para o nó. Deve-se prestar especial atenção à ancoragem da armadura, e o confinamento do nó com o auxílio de estribos ou quadros é recomendado.
A análise da segurança de nós tipo CCT será discutida com um pouco mais de detalhes nos exemplos da segunda parte deste artigo, que será publicada na próxima edição de Téchne.
De forma similar à resistência da biela, são propostos os limites para a resistência dos nós indicados na tabela 2.
Sugere-se, também, adotar as recomendações do Eurocode 2: Design of Concrete Structures – Part 1-1: General Rules and Rules for Buildings, que permite aumentar a resistência do nó CCT em 10% (fcd2-2 = 0,8 ∙ αv2 ∙ fcd), caso pelo menos uma das seguintes condições seja verificada:
● É assegurada uma compressão triaxial;
● Todos os ângulos entre as bielas e os tirantes estão entre 55° e 68° (1,43 ≤ tgθ ≤ 2,5);
● As tensões introduzidas pelos apoios ou placas são uniformes e o nó é costurado por armaduras transversais;
● A armadura está disposta em múltiplas camadas.
A justificativa para o aumento da resistência do nó CCT pode ser vista em Schäfer (2010).
No caso de nó exclusivamente comprimido e com estado triaxial de tensão assegurada, pode-se substituir fck por fck + 4 ∙ σ1, sendo que σ1 é a tensão principal mínima.
Tirantes
Os tirantes são elementos encarregados de suportar a tração do modelo de treliça e, normalmente, são representados por barras de aço (passivo ou ativo).
A resistência dos tirantes, desde que devidamente ancorados, é dada pela resistência do aço (fydou fpyd) e, portanto, deve-se verificar a seguinte inequação:
Td /As ≤ fyd ou Td /Ap ≤ fpyd (3)
É extremamente importante, ao analisar uma estrutura pelo Modelo de Bielas e Tirantes (MBT), tentar assegurar que no estado limite último (ELU) a armadura esteja escoando. Isso melhora a ductilidade do concreto estrutural.
Aplicação em consolos
Figura 6 - Modelo principal para a determinação da armadura do tirante
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Modelo principal
Um modelo de bielas e tirantes aplicado a consolo é muito simples de definir e pode ser derivado das trajetórias de tensões principais em domínio elástico, conforme figura 5. Por simplicidade, podemos analisar o consolo (propriamente dito) isolado, assumindo o modelo indicado na figura 6. A partir das equações de equilíbrio, conclui-se que a força vertical é equilibrada na base do consolo e que, como mostra a figura 6:
e – excentricidade da força vertical Fd devido à força horizontal Hd em relação ao eixo do tirante (figura 6).
e – excentricidade da força vertical Fd devido à força horizontal Hd em relação ao eixo do tirante (figura 6).
Por simplificação, a espessura do aparelho de apoio foi desprezada no cálculo da excentricidade e.
Assumindo que o nó A é hidrostático e que a tensão solicitante é igual à tensão resistente, podemos determinar a1 como sendo:
Na equação 9, b é a largura do consolo. Além disso, por semelhança de triângulos temos que:
Na equação 9, b é a largura do consolo. Além disso, por semelhança de triângulos temos que:
Resolvendo a equação do 2° grau derivada da equação 10, temos:
y = d – √(d2 – 2 ∙ a1 ∙ a) (11)
É interessante observar que as equações 4 e 5 são idênticas ao equacionamento de uma seção retangular submetida a uma flexotração de grande excentricidade, cujo momento solicitante é Msd = Fd . a e a força normal é Nsd = Hd . O dimensionamento da armadura principal pelas rotinas já conhecidas da teoria da FCN será idêntico ao modelo da figura 6 se for substituída a resistência máxima de compressão η ∙ fcd por fcd1 (tabela 2).
Segundo o EC2, o modelo principal é válido para consolo curto (0,5 < cotgθ ≤ 1) e para consolo muito curto (0,4 ≤ cotgθ < 0,5), mas podemos aplicá-lo até cotgθ = 2, desde que armadura vertical adequada seja dimensionada.
Reineck (2005) propõe uma verificação da capacidade de rotação do consolo por uma expressão similar à da NBR 6.118:
Essa verificação é extremamente importante, pois o intuito é evitar que uma possível ruptura do elemento seja provocada pelas tensões de compressão no nó A sem que deformações plásticas ocorram, ou seja, a finalidade é inibir a ruptura frágil.
Figura 7 - Modelo refinado para determinação das armaduras secundárias: (a) a/z < 0,5 e (b) a/z ≥ 0,5 |
Figura 8 - Modelo de bielas e tirantes para carga concentrada próxima ao apoio extremo | Figura 9 - Modelo refinado baseado em Bosc (2008) |
Modelos refinados e determinação das armaduras secundárias
A figura 7 mostra dois modelos de bielas e tirantes distintos: o primeiro é baseado no Model Code 1990 (MC90) e no EC 2; o segundo é baseado em FIP (1999), Reineck (2005), MC90 e Schlaich e Schäfer (2001).
I) Segundo o MC90, a força horizontal no caso de consolo muito curto (a/z < 0,5) é determinada pela expressão (figura 7a):
Com o auxílio da equação 13 e utilizando o intervalo em que o modelo principal é aplicável para consolo muito curto (0,4 ≤ a⁄z < 0,5), chega- se à conclusão que:
II) Segundo a FIP (1999), Reineck (2005), e MC90, no caso de consolo curto, a força vertical que deve ser resistida por estribos verticais fechados é:
Onde:
0,5 ≤ a/z ≤ 2
Os estribos calculados com o auxílio da equação 15 devem ser distribuídos em um comprimento aw, conforme figura 8. No entanto, pode-se estimar esse valor por aw = 0,85 ∙ a – z/4.
III) Um modelo bem interessante para a determinação das armaduras transversais é proposto por Bosc (2008), apresentado na figura 9. Nele, a biela principal é considerada com a forma de garrafa e a tração transversal é determinada utilizando as expressões de bloco parcialmente carregado em zona de descontinuidade parcial ou total. Bosc se baseia nas equações 16 e 17 do EC2, que determinam a tração transversal de bielas que tendem a “abrir”, conforme a figura 10.
No caso de regiões de descontinuidade parcial (b ≤ H/2), a tração transversal do bloco parcialmente carregado (figura 10a) é bastante conhecida:
T = 0,25 ∙ F ∙ (1 – a/b) (16)
No caso de regiões de descontinuidade total (b > H/2), o EC 2 define a tração transversal como sendo:
T = 0,25 ∙ F ∙ (1 – 0,7 ∙ a/h) (17)
Como as espessuras da bielas nos nós são diferentes, no caso usual de zona de descontinuidade total, Bosc (2008) propõe que seja considerada uma espessura média, ou seja:
Na equação 18, ab A ie e ab B ie são as espessuras das bielas nos nós A e B, repectivamente. Logo:
Uma vez que a tração é ortogonal ao eixo da biela principal, Bosc (2008) determina as forças horizontais e verticais secundárias como sendo:
Fwhd = 2 ∙ Fwd ∙ senθ
Fwvd = 2 ∙ Fwd∙ cosθ – (20)
As armaduras verticais e horizontais são calculadas pelas equações:
A verificação da biela pode ser feita determinando a tensão de compressão média (figura 11), considerando considerando uma seção próxima da região de tração transversal máxima. Por simplificação, podemos considerar a seção média (Bosc, 2008), ou seja:
E a verificação da segurança é dada por:
σc,bie ≤ fcd2 (23)
Conclusões
O artigo revisa resumidamente o modelo de bielas e tirantes aplicado a estruturas de concreto e mostra que esse método aplicado a consolos de concreto é simples, claro e intuitivo. Os modelos propostos neste trabalho servem de diretrizes para o adequado projeto de consolos de concreto.
A determinação da armadura do tirante é simples e considera o equilíbrio dos esforços internos com as forças aplicadas. Além disso, mostram-se critérios para a determinação das armaduras de costura e dos estribos necessários. Por fim, é proposto um critério de verificação da resistência à compressão de bielas e nós que é consistente com o modelo de bielas e tirantes adotado.
Figura 10 - Parâmetros para a determinação das forças de tração transversais num campo de tensões de compressão com armaduras distribuídas. Fonte: adaptado de EC 2 |
Figura 11 - Detalhes do modelo de bielas e tirantes de região de descontinuidade total: (a) modelo, (b) tensões transversais e (c) tensões na direção da força aplicada. Fonte: adaptado de Bosc (2008) |
FONTE: REVISTA TÉCHNE, EDIÇÃO 192
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